segunda-feira, dezembro 19, 2022

No fim de um lugar - 19/12 - Aniversário de morte de Manoel de Barros

 


No fim de um lugar
você veio ficou de pé
no espinheiro pedrento do rochedo
e se atravessava uma coisinha branca na voz.

Eu fui na garupa
com os frios da noite
por cajus amarelos
debruçados à cerca.

Em torno fazia um PÁSSARO
que seu canto finge com águas...
Você se beiradeava.
Eu me escorei o rosto nos silêncios.

Fui buscar um gosto leve
naquilo ÁRVORE
naquilo casa-de-pássaros.
- Você me esperava?

Que outra era esperada
no recanto do meu abandono
Quando não vinha você
naquele lugar de minha mão?

Eu não sei bem o que houve
no fim desse lugar
pois andou nele a raiz
de uma voz que crescia na relva dos peixes.

Crescia teu lábio
essa voz úmida que me buscava
sobre os cascalhos verdes
junto de outro corpo.

Eu andava com meus dedos
a colher outros frutos raros...
Por que você já não vinha
malhar sob os meus galhos?

Não espiei contudo
quem escorria de mim outrora.
Ervinhas subideiras
trepavam de meu casaco.

Agarrado aos muros
ainda a brotar esta flor de sonho
um pouco do meu rosto
ficou eivado desse lugar...


Em: Compêndio para uso dos  pássaros, 1960.

quarta-feira, novembro 30, 2022

Bernardo - vídeo


Bernardo já estava uma árvore quando
eu o conheci.
Passarinhos já construíam casa na palha
do seu chapéu.
Brisas carregavam borboletas para o seu paletó.
E os cachorros usavam fazer de poste as suas
pernas.
Quando estávamos todos acostumados com aquele
bernardo-árvore
ele bateu asas e avoou.
Virou passarinho.
Foi para o meio do cerrado ser um arãquã.

Sempre ele dizia que o seu maior sonho era
ser um arãquã para compor o amanhecer.


* O vídeo de Bernardo foi baseado no poema de Manoel de Barros e organizado por "Crianceiras". Vejam no YouTube.

domingo, novembro 13, 2022

Aniversário de morte do poeta


O Tempo só anda de ida.
A gente nasce, cresce, envelhece e morre.
Pra não morrer
É só amarrar o Tempo no Poste.
Eis a ciência da poesia:
Amarrar o Tempo no Poste!”

[Manoel de Barros, em entrevista a Bosco Martins, 2007]



terça-feira, setembro 27, 2022

Casa-quintal do poeta Manoel de Barros abre as portas como centro cultural - e mostra poema inédito!

 

Em 25/09/2022 a casa em que Manoel de Barros viveu durante as últimas três décadas de sua vida foi inaugurada como espaço cultural. O acervo conta com cartas e itens que vão desde seu relógio até os últimos lápis. Além de um poema inédito!



Nomeado “Casa-Quintal Manoel de Barros”, o lar do poeta, localizado na Rua Piratininga, número 363, agora expõe tanto seus itens pessoais, como roupas, quanto os móveis usados por ele, sua esposa Stella Barros e família. 


Escritório ou "Lugar de Ser Inútil"

No andar de cima da casa, o escritório de Manoel de Barros foi mantido tanto pela família quanto pelo grupo de amigos, que organizou o acervo. Toda de madeira e preenchida por marcas de uso, a escrivaninha segue com os lápis, miniaturas de decoração e alguns blocos de notas. 

Em breve, aberto ao público - Com visitas guiadas, o público poderá agendar a visitação através da plataforma Sympla a partir do dia 28 de setembro. 
De acordo com os organizadores, a entrada irá custar R$ 35. 



quarta-feira, setembro 21, 2022

Dia da árvore

 


Eu combino melhor com árvores. Totalmente ao senhor eu falo: quem ouve a fonte dos tontos não cabe mais dentro dele. Outra pessoa desabre.


Imagem: Árvore no muro do bairro da editora do blog, Solange Firmino, Rio de Janeiro - eu, que AMO árvores.

sábado, setembro 10, 2022

Lesma





VI 

Toda vez que encontro uma parede ela me entrega às suas lesmas. Não sei se isso é uma repetição de mim ou das lesmas. Não sei se isso é uma repetição das paredes ou de mim. Estarei incluído nas lesmas ou nas paredes? Parece que lesma só é uma divulgação de mim. Penso que dentro de minha casca não tem um bicho: Tem um silêncio feroz. Estico a timidez da minha lesma até gozar na pedra. 

in: "O Livro das Ignorãças" 

* Imagem: lesma rosa florescente encontrada somente na Austrália.

segunda-feira, agosto 22, 2022

O silêncio branco - vídeo Crianceiras

 


Larandá, larandá, randá, randá
Larandá, randá, randá
Larandá, randá

O silêncio branco
A elegância e o branco
Devem muito às garças
Elas chegam de onde a beleza nasceu

As garças dormem na beira da cor
Tem esses pernaltas a incumbência de enfeitar os brejos

Quem pode saber mais do êxtase destes sáurios
Do que as garças
A elegância da garça
Desabrochar, desabrochar, desabrochar
No brejo

Larandá, larandá, randá, randá
Larandá, randá, randá
Larandá, randá

O silêncio branco
A elegância e o branco
Devem muito às garças
Elas chegam de onde a beleza nasceu

As garças dormem na beira da cor
Tem esses pernaltas a incumbência de enfeitar os brejos

Quem pode saber mais do êxtase destes sáurios
Do que as garças
A elegância da garça
Desabrochar, desabrochar, desabrochar
No brejo
Desabrochar, desabrochar, desabrochar

No brejo


* Poema de Manoel de Barros musicado por Márcio De Camillo para o APP Crianceiras. 

sábado, agosto 06, 2022

Sobre o interesse nos pássaros

 


"De onde vem seu interesse particular pelos pássaros?"

"Antes das palavras vem o canto puro, sem sentido, que é aquilo que está no bico dos pássaros. O canto é ágrafo, não admite escrita. Só depois dele é que as palavras aparecem. Existe uma continuidade entre o canto dos pássaros e as palavras humanas. O canto dos pássaros é uma 'despalavra'."

sábado, julho 23, 2022

O quintal

 


Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade. 

(...) 

Se a gente cavar um buraco ao pé da goiabeira do quintal, lá estará um guri ensaiando subir na goiabeira. Se a gente cavar um buraco ao pé do galinheiro, lá estará um guri tentando agarrar no rabo de uma lagartixa. Sou hoje um caçador de achadouros de infância. Vou meio dementado e enxada às costas a cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.

(...)


Memórias inventadas: a infância

segunda-feira, julho 11, 2022

Manhã no rio

 


"Eu vi uma manhã desaberta na beira de um rio igual que uma garça estivesse desaberta na beira do rio."


*Foto por mim em Ingá -  Paraíba.

domingo, junho 26, 2022

sexta-feira, junho 17, 2022

No aeroporto

 



No aeroporto o menino perguntou:
— E se o avião tropicar num passarinho?
O pai ficou torto e não respondeu.
O menino perguntou de novo:
— E se o avião tropicar num passarinho triste?
A mãe teve ternuras e pensou:
Será que os absurdos não são as maiores virtudes da poesia? Será que os despropósitos não são mais carregados de poesia do que o bom senso?
Ao sair do sufoco o pai refletiu:
Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças.
E ficou sendo.


Imagem: Fotografia tirada do meu livro "Exercícios de Ser Criança"

quinta-feira, maio 19, 2022

Pássaros

 

A maneira de dar canto às palavras o menino aprendeu com os passarinhos.



No gorjeio dos pássaros tem um perfume de sol?



Em: Cadernos de aprendiz

sexta-feira, abril 22, 2022

A gente passeava nas origens

 


A gente foi criado no ermo igual ser pedra.
Nossa voz tinha nível de fonte.
A gente passeava nas origens. Bernardo conversava pedrinhas
com as rãs de tarde.
Sebastião fez um martelo de pregar água
na parede.
A gente não sabia botar comportamento
nas palavras.
Para nós obedecer a desordem das falas
Infantis gerava mais poesia do que obedecer
as regras gramaticais.
Bernardo fez um ferro de engomar gelo.
Eu gostava das águas indormidas.
A gente queria encontrar a raiz das
palavras.
Vimos um afeto de aves no olhar de
Bernardo.
Logo vimos um sapo com olhar de árvore!
Ele queria mudar a Natureza?
Vimos depois um lagarto de olhos garços beijar as pernas da Manhã!
Ele queria mudar a Natureza?
Mas o que nós queríamos é que a nossa
palavra poemasse.

terça-feira, março 22, 2022

Dia internacional das florestas



As árvores velhas quase todas foram preparadas para o exílio das cigarras.
Salustiano, um índio guató, me ensinou isso.
E me ensinou mais: Que as cigarras do exílio são os únicos seres que sabem de cor quando a noite está coberta de abandono.
Acho que a gente deveria dar mais espaço para esse tipo de saber.
O saber que tem força de fontes.


(Em: Biografia do orvalho)



Os dias 21 e 22 de março marcam a sensibilização acerca dos recursos naturais. Nessas datas, criadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), são celebradas o Dia Internacional das Florestas e da Árvore (21) e o Dia Mundial da Água (22).


Imagem: Por mim na Floresta Amazônica, Manaus - AM.

quinta-feira, março 17, 2022

Poemas concebidos sem pecado

 


Em entrevista a José Castello, Manoel de Barros falou sobre seu primeiro livro, Poemas concebidos sem pecado, em 1937.

JC - Como você publicou seu primeiro livro?


Manoel - A primeira edição de Poemas Concebidos sem Pecado foi rodada na prensa manual de um diplomata, o Henrique Rodrigues Vale. Foram só 20 ou 30 exemplares, dados de presente. Não guardei nenhum.

JC - Quando você o lê, hoje, o que acha?


Manoel - Acho que esse meu primeiro livro é meu melhor livro. Tudo o que escrevi depois vem dele. Ali, eu já tinha a noção do valor linguístico da poesia. Poesia não é para contar história, poesia é um fenômeno de linguagem.

segunda-feira, fevereiro 28, 2022

Cássia Kis encena Manoel de Barros

 


A atriz Cássia Kis volta em cartaz com o espetáculo "Meu Quintal é Maior do que o Mundo", em temporada de 4 a 27 de março, com sessões de sexta a domingo, no Teatro Vivo.

O espetáculo é formado por textos do livro "Memórias Inventadas", primeiro livro de prosa de Manoel de Barros, publicado em 2005. Com uma linguagem coloquial e poética, Manoel de Barros escreveu sobre temas como o cotidiano e a natureza. 

Cássia estabelece cumplicidade com a plateia ao interpretar quatro diferentes personagens: um menino com 5 anos, um jovem de 15, um homem de 40 e um idoso de 85. 

Conhecedora da obra do poeta, Cássia Kis  é uma excelente leitora do escritor mato-grossense. Após descobrir sua poesia em 1980, estabeleceu uma relação não só com a obra do autor, mas com o próprio Manoel, com quem se correspondia e de quem se tornou amiga.
 

Serviço:

Meu Quintal é Maior do que o Mundo

Temporada: De 4 a 27 de março de 2022 – Sextas-feiras às 20h, sábados às 21h e domingos às 18h.

Ingressos: R$ 60,00 (inteira) R$ 30,00 (meia).

Duração: 70 minutos.

Classificação etária: Livre.

Gênero: Prosa Poética.

TEATRO VIVO – Avenida Doutor Chucri Zaidan, 2460 – Morumbi

Bilheteria: Terça a quinta, das 14h às 20h; sexta a domingo, das 14h até o início do espetáculo. Capacidade: a ser definida, conforme protocolos estabelecidos no início do mês de março pela prefeitura da cidade de São Paulo. Informações: (11) 3279-1520. Vendas pelo site Ingresso Rápido.

Orientações do Teatro Vivo para meia entrada

NOVA REGRA da MEIA ENTRADA – Estudante, Senior, Professor, Aposentados e Deficientes mais acompanhantes e Pessoas de Baixa Renda.

Concedemos também para pagar meia à CLASSE ARTÍSTICA

– 50% de desconto para o Cliente Vivo Valoriza para até 2 ingressos por pessoa.

– 50% de desconto ao Funcionário da Vivo para até 2 ingressos por pessoa.

quinta-feira, fevereiro 10, 2022

A arte de infantilizar formigas

 


Depois de ter entrado para rã, para árvore, para pedra
- meu avô começou a dar germínios
Queria ter filhos com uma árvore.
Sonhava de pegar um casal de lobisomem para ir
vender na cidade.
Meu avô ampliava a solidão.
No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do
quintal : Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pra
dentro.
Um lagarto atravessou meu olho e entrou para o mato.
Se diz que o lagarto entrou nas folhas, que folhou.
Aí a nossa mãe deu entidade pessoal ao dia.
Ela deu ser ao dia,
e Ele envelheceu como um homem envelhece.
Talvez fosse a maneira
Que a mãe encontrou para aumentar
as pessoas daquele lugar
que era lacuna de gente.

sexta-feira, janeiro 28, 2022

quinta-feira, janeiro 13, 2022

Manoel de Barros é vetado no Enem...


Poeta Manoel de Barros foi vetado do Enem por "contrariar" trecho da Bíblia 


Documentos sobre a elaboração da prova de 2019 mostram 66 questões excluídas 


Por Ângela Kempfer | 18/11/2021 


Após 2 anos, quem luta para enfrentar o Enem descobre que um dos conteúdos mais exigidos durante a preparação já foi boicotado da prova. Documentos divulgados agora mostram que em 2019 houve censura à poesia de Manoel de Barros no Exame Nacional do Ensino Médio. 

A questão surgiu de “O Livro das Ignorãças”. Contrariando a Bíblia, Manoel escreveu: “No descomeço era o verbo”, uma oposição a “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus (João 1:1-4)”. 

Na justificativa dos censores, usar tal verso “fere sentimento religioso e a liberdade de crença.” 

(...)

Para educadores, Manoel é um dos 15 escritores mais citados em provas do Enem e vestibulares por “desenvolver uma poética singular, marcada por narrativas alegóricas, que transparecem nas imagens construídas ao longo do texto... transitam entre o sonho e a racionalidade, características singulares que fizeram dele um dos maiores poetas brasileiros”.

(...)


Quem quiser passar pela página cheia de pop-ups:


CRÉDITO: CAMPO GRANDE NEWS

domingo, janeiro 09, 2022

A natureza e seus fragmentos

 


Na fonte da poesia de Manoel de Barros existe uma relação de promiscuidade com a natureza – tanto a das palavras quanto a das plantas e dos bichos (inclusive os humanos, sobretudo os rasteiros). 


No entanto, o mundo que lemos nos versos do poeta parece filtrado por um olhar infantil, desacostumado: brincando com os termos e as normas da língua, Manoel ia derrubando as paredes entre espécies, gêneros, famílias, reinos. “Desaprender oito horas por dia ensina os princípios”, escreveu ele em O Livro das Ignorãças (1993). 

Como, então, um cientista lê os versos do autor? As diferentes formas de encarar a natureza – e de se encantar com ela – se excluem? 

Neste vídeo, a questão é pensada por quatro biólogos: Bruss Lima, que estuda as atividades cerebrais de primatas não humanos; Carlos Hotta, cujas pesquisas se concentram no relógio biológico das plantas; Hugo Aguilaniu, especialista em genética do envelhecimento e diretor-presidente do Instituto Serrapilheira; e Nurit Bensusan, que atua no campo das políticas públicas para a conservação da biodiversidade e escreve livros dedicados à popularização das ciências. 


* Depoimentos gravados entre outubro e novembro de 2018, em São Paulo/SP e no Rio de Janeiro/RJ.