segunda-feira, abril 17, 2017

Importância...

Meu ex-girassol
"Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós."



Manoel de Barros

quarta-feira, abril 12, 2017

Sobre a fragmentação da realidade

Imageem: Picasso
A minha poesia é cada vez mais fragmentada porque as palavras me acham assim: cada vez mais fragmentado. Penso que os meus conflitos cresceram tanto dentro de mim a ponto que me fizeram pedaços. Sou hoje pedaços de mim.

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(...)”Li em Chestov que a partir de Dostoievsky os escritores começam a luta por destruir a realidade. Agora a nossa realidade se desmorona. Despencam-se deuses, valores, paredes... Estamos entre ruínas. A nós, poetas destes tempos, cabe falar dos morcegos que voam por dentro dessas ruínas. Dos restos humanos fazendo discursos sozinhos nas ruas. A nós cabe falar do lixo sobrado e dos rios podres que correm por dentro de nós e das casas. Aos poetas do futuro caberá a reconstrução - se houver reconstrução. Porém a nós, a nós, sem dúvida - resta falar dos fragmentos, do homem fragmentado que, perdendo suas crenças, perdeu sua unidade interior. É dever dos poetas de hoje falar de tudo que sobrou das ruínas - e está cego. Cego e torto e nutrido de cinzas(...)

BARROS,Manoel. “Sobreviver pela palavra”. In:Gramática expositiva do chão, p.308-309.

Esse vício de amar as coisas jogadas fora – eis  a minha competência. É por isso que eu sempre rogo pra Nossa Senhora da Minha Escuridão, que me perdoe por gostar dos desheróis. Amém. (p.331)

segunda-feira, abril 03, 2017

O poeta e a palavra

Quando Carlos Drummond de Andrade era considerado o maior poeta brasileiro, outros diziam que João Cabral de Melo Neto era, se não o maior, pelo menos o mais importante, o próprio Drummond disse que o maior poeta brasileiro era Manoel de Barros. 
O próprio Manoel de Barros disse que o nosso melhor poeta era João Cabral. E diz da Geração de 45, a que ele e João Cabral pertencem cronologicamente: 

“Achava e acho ainda que não é hora de reconstrução. Sou mais a palavra arrombada a ponto de escombro. Sou mais a palavra a ponto de entulho ou traste.” Tem consciência crítica, conhece o que é um poema, objeto fechado em si, isto é, a poesia de João Cabral, e sabe que a sua poesia é feita de restos, restolhos. Ele como que se compraz em brincar com as palavras, virá-las e revirá-las nos dedos: “Não tenho outro gosto maior do que descobrir para algumas palavras relações dessuetas e até anômalas.”


Cita Guimarães Rosa: “A poesia nasce de modificações das realidades linguísticas.” Ou Leo Spitzer: “Todo desvio nas normas da linguagem produz poesia”. Mas vai muito mais além: “Instala-se um agramaticalidade quase insana, que empoema o sentido das palavras.” 


A chave está mais no termo “insana” do que apenas em “agramaticalidade”. E vai repetindo, não só por repetir, mas, nessas variações de uma mesma nota, para enfatizar: 


O sentido normal das palavras não faz bem ao poema./ Há que se dar um gosto incasto aos termos./ Haver com eles um relacionamento voluptuoso./ Talvez corrompê-los até a quimera./ Escurecer as relações entre os termos em vez de aclará-los. / Não existir rei nem regência./ Uma certa luxúria com as palavras convém.”

Assim se justifica, se fosse preciso se justificar: “O que não sei fazer desconto nas palavras. / (...) Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos. / Outras de palavras. / Poetas e tontos se compõem com palavras.” Sabe que o poema é uma forma, um objeto, mas em estado de alucinação: “Designa também a armação de objetos lúdicos com emprego de palavras imagens cores sons etc. geralmente feitos por crianças pessoas esquisitas loucos e bêbados.” São objetos lúdicos, mas com os sentidos fora do normal, desregrados.

Sempre valoriza a luxúria da palavra, a mais abjeta: “Sou mais a palavra com febre, decaída, fodida, na sarjeta. / Sou mais a palavra ao ponto de entulho.” É a busca da pureza, da infância do verbo: “Nenhuma voz adquire pureza se não comer na espurcícia. Quem come, pois, do podre, se alimpa. Isso diz o Livro.”

Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina. / No osso da fala dos loucos tem lírios.”