sábado, maio 30, 2020

Explicando o gosto mais literário que revolucionário

Fica claro que o engajamento político do poeta, nem no auge de sua juventude, se sobrepõe à literatura. 
Registra Müller (2010):

Nos fins dos anos 1940, no Rio, pensei de salvar o mundo da miséria e da opressão. Todos os rapazes da minha faculdade estavam dispostos a dar a vida para salvar o mundo. Eu tinha lido em Fernando Pessoa: “Amanhã é dos loucos de hoje”. Era preciso ser louco. Era preciso ser amanhã. Entrei para a juventude Comunista. Comecei a ter chefes e chefetes. Recebia ordem que ninguém sabia de onde vinham. Ordem de pichar estátuas, de soltar panfletos. Tarefas. Tarefas. Me mandaram ler Marx, Engels, Lenine. Não passava das 10 primeiras páginas. Descobri que o meu forte era a palavra. Me ajeitei com Maiakóvski. Meu gosto era mais literário que revolucionário. Acho que iria fugir se me mandassem brigar. Eu seria se tanto uma barata: se me pisassem a carcaça eu sairia pelos cantos arrastando substâncias [...] 
(MÜLLER, 2010, p. 101).

domingo, maio 10, 2020

No aeroporto...

No aeroporto o menino perguntou:
— E se o avião tropicar num passarinho?
O pai ficou torto e não respondeu.
O menino perguntou de novo:

— E se o avião tropicar num passarinho triste?
A mãe teve ternuras e pensou:
Será que os absurdos não são as maiores virtudes da poesia? Será que os despropósitos não são mais carregados de poesia do que o bom senso?
Ao sair do sufoco o pai refletiu:
Com certeza, a liberdade e a poesia a gente aprende com as crianças.
E ficou sendo.

Manoel de Barros, in Exercícios de Ser Criança.


* Hoje é dia das mães.