sexta-feira, outubro 30, 2020

O fotógrafo / vídeo

 


Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovski – seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir a sua noiva.
A foto saiu legal.



(Em Ensaios fotográficos) 


* Observação: de tanto copiar na internet poemas "errados", resolvi copiar dos meus livros. Esse foi copiado da página 379, Poesia Completa da Editora Leya, 2010. 

Assista abaixo o poema "O FOTÓGRAFO", de Manoel de Barros, declamado por Antônio Abujamra. Quem quiser assistir no YouTube, é só clicar em YouTube abaixo do vídeo que abrirá o link em uma nova janela:



quarta-feira, outubro 14, 2020

Dia da criança - Agora eu invento brinquedos com palavras


Minha infância passei em uma fazenda no Pantanal. Nesse lugar o tempo era parado. Ou passava devagar que lesma. Às vezes a lesma chegava primeiro que o fim do dia. Eu não era solitário. Tinha três irmãos. A gente fabricava os nossos brinquedos. No lugar só tinha o nosso rancho e animais de sela. O que sufocava não era a falta de espaço. A gente só via as distâncias. A gente inventava brinquedos o tempo todo. Agora eu invento brinquedos com palavras. Um vício que eu trouxe de lá. – Manoel de Barros