sexta-feira, novembro 22, 2019

Retrato do artista quando coisa (Para Graça Pires)

Foto tirada por mim no Museu da República. Árvore onde
meu filho brincava que foi cortada. Tem um passarinho
no primeiro tronco à esquerda.
Remexo com um pedacinho de arame nas minhas memórias fósseis.
Tem por lá um menino a brincar no terreiro: entre conchas, osso de arara, pedaços de pote, sabugos, asas de caçarolas etc. 
E tem um carrinho de bruços no meio do terreiro. 
O menino cangava dois sapos e os botava a puxar o carrinho. 
Faz de conta que ele carregava areia e pedras no seu caminhão. 
O menino também puxava, nos becos de sua aldeia, por um barbante sujo umas latas tristes. 
Era sempre um barbante sujo. 
Eram sempre umas latas tristes. 
O menino é hoje um homem douto que trata com física quântica. 
Mas tem nostalgia das latas. 
Tem saudades de puxar por um barbante sujo umas latas tristes.
Aos parentes que ficaram na aldeia esse homem douto encomendou uma árvore torta – 
Para caber nos seus passarinhos. 

De tarde os passarinhos fazem árvore nele. 



Em:  Em Retrato Do Artista Quando Coisa


* Ofereço essa postagem a minha amiga Graça Pires, que faz aniversário hoje.

Um comentário:

Graça Pires disse...

Que bom que é brindares-me co a escrita do Manoel de Barros : "O menino é hoje um homem douto que trata com física quântica. Mas tem nostalgia das latas. Tem saudades de puxar por um barbante sujo umas latas tristes. Aos parentes que ficaram na aldeia esse homem douto encomendou uma árvore torta – Para caber nos seus passarinhos.
De tarde os passarinhos fazem árvore nele." Como ficar indiferente?
Mais um grande beijo pelo teu carinho e obrigada.