domingo, dezembro 19, 2021

19/12 - Nascimento de Manoel de Barros

Há um cio vegetal na voz do artista.
Ele vai ter que envesgar seu idioma ao ponto de alcançar o murmúrio
das águas nas folhas das árvores.
Não terá mais o condão de refletir sobre as coisas.
Mas terá o condão de sê-las.
Não terá mais ideias: terá chuvas, tardes, ventos, passarinhos…
Nos restos de comida onde as moscas governam ele achará solidão.
Será arrancado de dentro dele pelas palavras a torquês.
Sairá entorpecido de haver-se.
Sairá entorpecido e escuro.
Ver sambixuga entorpecida gorda pregada na barriga do cavalo —
Vai o menino e fura de canivete a sambixuga: Escorre sangue escuro do cavalo.
Palavra de um artista tem que escorrer substantivo escuro dele.
Tem que chegar enferma de suas dores, de seus limites, de suas derrotas.
Ele terá que envesgar seu idioma ao ponto de enxergar no olho de uma
garça os perfumes do sol.



Em “Retrato do artista quando coisa” (1998)

Imagem: Iluminura da filha do poeta, Martha Barros.


Um comentário:

Graça Pires disse...

Há poetas eternos. Manoel de Barros é um deles.
Um beijo, minha Amiga Solange.