domingo, abril 05, 2020

Mansidão (Obs.: A população mundial passando pelo isolamento social)

Janela do meu quarto em abril


As casas dormiam na hora surda do meio-dia. 
O corpo do homem penetrou sob árvores 
Na longa quietude estendida da rua. 
Tudo permaneceu sem um grito, 
Um pedido de socorro sequer. 
Ninguém soube se o coração vibrou. 
Que sonho o acalenta ninguém adivinhou. 
Ninguém sabe nada. 
Não traz um lamento, 
Nem marca dos pés no chão vai ficar. 
Tão triste é a vida sem marca dos pés! 
Tudo permaneceu sem um grito, 
Um pedido de socorro sequer. 
Ele passou sem calúnias 
E é possível que sem corpos que o chamassem. 
Ninguém soube se o coração vibrou 
Porque tudo permaneceu sem fundo suspiro 
No estranho momento das coisas paradas.

- Manoel de Barros, no livro "Face imóvel" (1942).
 

Um comentário:

Graça Pires disse...

"No estranho momento das coisas paradas". Manoel de Barros parece ter feito este poema para os tempos que vivemos. Ele tem algo de profeta… Ficou linda a janela do teu quarto aqui…
Uma boa semana, minha querida Amiga Solange, com muita saúde e cuidados.
Um beijo.